» O mundo à beira da grande crise alimentar
» O que o Brasil pode perder sem a Eletrobras
» A distopia trabalhista da Amazon
» Cinema: A arte de observar a poesia das miudezas
» Os deadbots e os limites éticos da tecnologia
» Por outra Política de Ciência, Tecnologia e Inovação
» A Nave dos Loucos e os espaços da (des)razão
» Jénine, enquête sur un crime de guerre
» Le monde arabe en ébullition
» Au Proche-Orient, les partis pris de la Maison Blanche
» Les progrès du libéralisme économique à Sri-Lanka
» Le marché du blé pourra-t-il être codifié par un nouvel accord international ?
» Le président Marcos allié gênant et retors des États-Unis
» Front de gauche, ou la fin d'une malédiction
» Le défi indien et le colonialisme blanc
» Lebanon: ‘Preserving the past in hope of building the future'
» The poisonous problem of France's nuclear waste
» Can Medellín change its image?
» Venezuela: a ‘country without a state'
» The urgent need to preserve Lebanon's past
» French troops forced to withdraw from Mali
Florence Montreynaud resolveu recuperar e escrever a história das mulheres do mundo inteiro de 1900 a 1999, abrangendo um século de transição, que testemunhou uma revolução sem precedentes da condição feminina
- (12/06/2000)
Foi após o nascimento de sua primeira filha que Florence Montreynaud teve a idéia de empreender um imenso trabalho: preencher um vazio na história das mulheres, contando o século XX através delas. "O que transmitir a minha filha sobre as mulheres que a antecederam?" perguntava-se ela. O que contar sobre as mulheres ignoradas pelos historiadores, únicos narradores da história, a ponto de se poder acreditar que os homens tenham sido seus únicos, ou quase únicos, atores? Mas Florence decidiu aceitar o desafio: [1] recuperar e escrever a história das mulheres do mundo inteiro, ano a ano, de 1900 a 1999, trabalho bastante importante, pois abrange um século de transição que testemunhou uma revolução sem precedentes da condição feminina. O que ainda prevalece são datas e clichês do tipo: o general De Gaulle havia "dado" o direito de voto às mulheres em 1945; Marie Curie descobriu o rádio com o seu marido Pierre Curie.
Mas quem já ouviu falar de Emmy Noether, inventora da álgebra moderna e do "teorema de Noether", que em 1900 foi admitida na universidade... como ouvinte e que em 1915 tornou-se professora... sem remuneração? E quem conhece Lady Constance Lytton, que ficou paralítica em conseqüência da agressão de policiais durante uma manifestação ocorrida em 1909, em Londres, pelo direito de voto das mulheres? Ou ainda a norueguesa Elise Ottesen-Jensen, que, já em 1923, defendia que "toda a criança deve ser desejada" e, dez anos depois, fundava o planejamento de controle familiar sueco?
A comparação com outros países dá uma perspectiva dos avanços e recuos das mulheres durante este século e permite destacar que as francesas estão em considerável atraso no que se refere à obtenção dos direitos de cidadãs. Para terem o direito de voto, concedido às britânicas e alemãs em 1918, tiveram que esperar até 1945. Causará talvez surpresa saber que em 1931 as espanholas possuíam uma situação de igualdade à das sociedades mais avançadas da Europa — e isto graças à vitória da esquerda na Espanha. E que, em 1935, as mulheres turcas se modernizaram tão rapidamente que a Turquia foi considerado o "mais jovem país feminista".
Se o século XX é o das conquistas das mulheres nos países ocidentais — educação, direito de voto e contracepção — ele vê também o crescimento do fundamentalismo religioso durante os últimos vinte anos. No Iraque, uma lei de 1990 justifica o assassinato de uma mulher adúltera por qualquer homem de sua família. Na Arábia Saudita, as mulheres são proibidas de dirigir. No Afeganistão, as jovens são excluídas de educação.
Também na Europa Oriental ocorre um retrocesso depois da queda do muro de Berlim. Assistimos a uma redução espetacular no número de mulheres eleitas (de 30% para 6% na República Checa). Na Polônia, a questão da contracepção e aborto foi reaberta. A prostituição floresce e as adolescentes soviéticas encontram nela uma "profissão ideal". O último capítulo sobre o ano 2000 lembra que as feministas do mundo inteiro marcharão contra a pobreza e as violências sofridas pelas mulheres (leia "Contra a pobreza e a violência", nesta edição). 70% dos pobres do mundo são mulheres. São constantemente estupradas, hostilizadas e espancadas.
Mas o ano 2000 vê também a realização dos sonhos de algumas feministas do começo do século. Em 1917, na União Soviética, Alexandra Kollontaï, primeira mulher do mundo a fazer parte de um governo, quis quebrar o "jugo doméstico" tornando coletivas as tarefas domésticas. No ano 2000, a finlandesa Liisa Joronen, fundadora da empresa Sol, realizou o sonho da brilhante intelectual russa. Entre seus 2.700 empregados, não há secretárias nem faxineiras: as tarefas ingratas são divididas por todos.
A autora lembra ainda que os sonhos são necessários. Quem em 1900 teria imaginado que as mulheres pudessem um dia dominar a fertilidade? Se no ano 2000, um mundo sem prostituição nem violências parece ilusório para alguns, outros são capazes de sonhá-lo, ou melhor, de reivindicá-lo...
Traduzido por Anelise Storck.
[1] Florence Montreynaud, Le XXe siècle des femmes, Nathan, Paris, 1999.