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Nacionalismo e utopismo ideológico definem o populismo russo no século XIX. Nos EUA, um populismo difuso exprime a ansiedade de uma sociedade que oscila entre o liberalismo e o autoritarismo. Na França, a tradição populista remonta Napoleão III
- (01/11/2003)
De todos os populismos, a versão russa (narodnichestvo) – que inspirou muitos anarquistas no século XIX – é, provavelmente, a mais ambígua. O apelo ao povo contra o absolutismo czarista entre 1850 e 1880 enraizou-se nos protestos do campesinato pobre e da intelligentsia progressista. Mistura explosiva de nacionalismo e utopismo ideológico, ele repercutia como uma volta à unidade e aos valores da alma russa. Esse movimento social de revolta subdividiu-se lentamente sob a pressão da autocracia czarista e, mais tarde, sob a da repressão estalinista, que construiu a lenda negra do populismo para monopolizar o discurso da transformação social.
Quanto ao populismo norte-americano, tem origens nas seqüelas da Guerra de Secessão, nas conseqüências sociais da industrialização, na expansão econômica e no descrédito dos representantes políticos. Por isso, o general James B. Weaver, candidato do partido populista à eleição presidencial de 1892, canalizou o descontentamento ante as desigualdades e a rejeição dos partidos democrata e republicano1 . Sua derrota – e, no entanto, faltou pouco para uma vitória inesperada – marcou o declínio do populismo, mas de forma alguma seu desaparecimento. Na verdade, toda a política americana permanece profundamente impregnada por ele. Nos anos 1930, por exemplo, o New Deal do presidente Franklin D. Roosevelt correspondeu a um reconhecimento das reivindicações populares contra os excessos dos “barões ladrões”.
Alguns anos mais tarde, Ronald Reagan realizou a síntese, nova e contraditória, do ultraliberalismo e do populismo, ao criticar o Estado-providência em nome dos direitos dos mais fracos, cuja renda é “usurpada” por estruturas intermediárias “parasitárias”. Em 1992, o neo-populismo teve muito sucesso com Ross Perot e Patrick Buchanan, que atacavam os desgastes do “capitalismo selvagem”. Finalmente, William Clinton ganhou as eleições no interior de uma escalada populista, ao criticar a burocracia e aqueles que com ela se enriquecem, enquanto outros, “que trabalham duro e respeitam a lei, são penalizados2 ”. Ele soube captar uma opinião pública bastante inquieta, apresentou uma imagem próxima e confortante. Populista, Clinton? A afirmação pode ser discutida. Mas não faltam indícios: homem de uma plasticidade-pragmática, proximidade aparente, carisma físico, emoção na palavra e nas imagens. Atualmente, George W. Bush, ao denegrir os intelectuais, adota uma postura próxima daquela de seus antecessores. Na realidade, esse populismo difuso exprime confusamente a ansiedade de uma sociedade norte-americana que oscila entre o liberalismo e o autoritarismo.
Na França, muitas figuras encarnaram o populismo nos séculos XIX e XX. Napoleão III toma o poder em seguida à irritação burguesa do governo republicano de 1848, que reprime duramente o movimento operário. Luís Napoleão pôde facilmente se travestir de homem providencial que aspira a representar o povo e a reconstruir a glória do império. Agita o espectro da revolta, exalta o anti-parlamentarismo das camadas populares e agrada o mundo operário. No início do famoso golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851, lança um apelo ao povo. Não é surpreendente que uma de suas primeiras medidas tenha sido o restabelecimento do sufrágio universal. Ele reafirma, dessa maneira, os elos diretos entre um povo e seu governante. Durante quase 20 anos, até setembro de 1870, o povo continuará a lhe ser fiel.
Outra figura do populismo francês é o general Georges Boulanger. O boulangismo é expressão de uma crise da sociedade e dos valores republicanos. O crash econômico de 1882 confirma os temores da população que via as inovações tecnológicas como uma ameaça. O protesto crescente contra a classe dirigente se alimenta da nostalgia e de uma recusa ao total poder do dinheiro. Estouram tumultos. Em 8 de maio de 1882, Paul Déroulède funda a Liga dos Patriotas em nome dos “descontentes”: homens e mulheres vindos de, praticamente, toda parte, e que não suportam mais a política da direita e os republicanos moderados. Nos conflitos sociais que provocam a intervenção do exército, o general Boulanger mostra-se solícito em relação aos operários. Sua “expulsão” da vida pública libera um vasto movimento heteróclito que mistura dissidentes radicais, nacionalistas, socialistas e monarquistas, e organiza-se em torno de sua imagem de chefe carismático. A plataforma doutrinária é simples, mas sem nenhum simplismo: “dissolução, revisão, constituinte”. Ela expressa o antiparlamentarismo e critica a ineficácia dos governantes e sua corrupção. Fiel a sua promessa republicana, Boulanger recusará qualquer tentativa de golpe de Estado.
Temido no poder, desprezado no esquecimento, Pierre Poujade encarna, na segunda metade do século XX, o paradigma do populismo francês. Poujade é conhecido por suas tomadas de posição contra o regime parlamentar e o comunismo. Encarna a causa comercial. Tático hábil e autodidata em política, Poujade não funda partido político e declara praticar ação cívica para combater o regime. Os comícios se sucedem em toda a França. A exploração dos temas da união nacional é hábil e frutífera, seguida por lutas diretas, entre as quais a reação anti-fiscal. Nas eleições legislativas de 1956, seus partidários obtêm 11,6% dos sufrágios, 2 483 000 votos, 52 deputados. A onda poujadista abarca, então, toda a França.
A partir de 1958, de volta ao poder por um golpe político, o general De Gaulle abole a IV República, considerada fraca demais e desacreditada. Sua política estrutura-se desde o início em torno de três idéias fortes: a missão, a independência e o poder da França. Assim o gaullismo encarna uma vontade “transclassista”, a unidade do povo da França, a defesa da autoridade do Estado. O que torna o gaullismo inclassificável não é apenas a personalidade fora do comum de seu fundador, mas as tonalidades populistas de seu movimento: crítica dos partidos políticos, discurso econômico paternalista da participação e exaltação da nação.
(Trad. Teresa Van Acker)
1 - Ler Serge Halimi, “Le populisme, voilà l’ennemi !”, Le Monde diplomatique, avril 1996.
2 - William Clinton et Al Gore, Putting People first, Times Book, New York, 1992.