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O discurso da neutralidade ideológica, assumido pelos defensores do “sim”, não resiste ao exame dos cânones liberais considerados como “liberdades fundamentais”
- (01/05/2005)
O Tratado Constitucional Europeu (TCE) é ideologicamente “neutro”, afirmam os defensores do “sim”, sejam de esquerda ou de direita. Os primeiros normalmente citam passagens das partes I e II do tratado, em que abundam algumas palavras-chave da esquerda: dignidade humana, liberdade, democracia, estado de direito, tolerância, justiça, solidariedade, igualdade entre homens e mulheres, desenvolvimento durável, combate contra a exclusão social, nível elevado de emprego etc. Esses grandes princípios, certamente bem-vindos, no entanto não têm o menor caráter obrigatório. Na melhor das hipóteses, poderão ter um valor interpretativo para o Tribunal de Justiça da União Européia se ela for surpreendida por um conflito. E mais, nessas duas partes, são lembradas com insistência as normas superiores, que são a “concorrência livre e desimpedida” e as quatro liberdades “fundamentais” da circulação de bens, de serviços, de capitais e de pessoas. São dispositivos que têm efeito contra os outros princípios, objetivos e valores das mesmas partes.
Os adeptos do “sim” liberal baseiam-se no concreto, penoso, passível de julgamento pela justiça, essencialmente na terceira parte do TCE. Nela, mais encantamentos: políticas precisas, já em vigor – figuram, segundo alguns, no Tratado de Roma de 1957 – e que não sofrem exceções. A lista é longa: liberalização dos serviços “além do que é necessário”, suspensão de subsídios públicos, restrições aos movimentos de capitais e de déficits orçamentários, livre-comércio sem restrições, autonomia do Banco Central, recusa a toda harmonização social ou fiscal etc. E, de maneira obcecada, lembrança do primado da concorrência e das quatro famosas liberdades “fundamentais”.
Tudo se passa como se o “sim de esquerda” se contentasse com o oculto e com as promessas das partes I e II do TCE, enquanto o “sim de direita” reserva e santifica constitucionalmente a presa da parte III... Na verdade, inédita hierarquia das normas, como a de um texto que coloca a concorrência, a economia e as finanças no posto de comando, enquanto a Constituição francesa, em seu primeiro artigo, dispõe que a República é “indivisível, laica, democrática e social”.
De tal maneira que se pode perguntar, em caso de ratificação do TCE, de que margem de manobra disporia um governo recentemente levado ao poder, por exemplo, em 2007 na França, que quisesse pôr em prática políticas de ruptura, mesmo que parcial, com cânones liberais a partir de então “constitucionalizados” em escala européia. O sufrágio universal não estaria na situação de “soberania limitada” em que se encontravam muitas “democracias populares” em relação à União Soviética, antes de ela se afundar?
(Trad.: Wanda Caldeira Brant)