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Em minhas pesquisas pela internet, encontrei uma entrevista com João Cezar, sobre o conceito de Dialética da Marginalidade publicada na Revista Época, Edição nº 487. Espantoso o modo como ele desenvolve as qualidades da nova geração de escritores pela desqualificação de Carolina de Jesus, a catadora de papel que se tornou uma sumidade no mundo literário internacional na década de 60. Impensável desqualificar uma obra como a sua em razão de seu não-pertencimento a algum grupo literário. Quero dizer, o professor de literatura comparada simplesmente isolou a voz desta mulher guerreira, sem considerar o momento em que ela viveu e sem perceber que se tratava de uma cidadã despojada do mínimo do mínimo, o que definitivamente não permitiria uma escrita coletiva. Disse o autor:
“A Carolina Maria de Jesus expressa a voz dela como favelada, negra, mulher. Era ela e apenas isso. O que não era pouco. Mas o que tem mudado de maneira notável na produção cultural dos últimos 15 anos é que não se trata mais unicamente de uma solução individual. É um projeto coletivo. Não se trata mais da expressão de uma individualidade privilegiada. Eis aqui essa pobre favelada que durante o dia cata papel e à noite escreve nos papéis que catou. De fato é uma belíssima história, mas é rigorosamente individual.”
Ora, se a voz é de uma mulher negra, que escreve e desponta apesar das dificuldades, acredito que a literatura dela não deveria ser colocada na posição pejorativa de uma escrita individual, este termo assumindo o valor de "idiossincrático",como transparece a fala de João Cezar. Certamente este professor de literatura gostaria que Carolina tivesse iniciado um movimento e que, a exemplo de Ezra Pound, Mário de Andrade, João Cabral e outros, tivesse formado uma rede de articulações culturais que, a médio prazo, pudesse ter dado voz às periferias. João Cezar gostaria que a pobre catadora tivesse conquistado um capital de relações que lhe permitisse não só a continuidade como a propagação de um projeto cultural (projeto este que está sendo arduamente conquistado passo a passo por um sem número de escritores, para se fazer idéia da dificuldade). Ou seja: o personalismo opera como perspectiva para a qualificação dos autores: só autores relacionados e colaboradores entre si merecem a consideração acadêmica, pela coesão sistêmica. Jogamos o presente no passado e dizemos: "ela não foi capaz. nada lhe devemos". Será que no Brasil só se consegue respeitar o que é feito por grupos? Será que só enxergamos isso, peso, massa, volume de relações?
Se alguém dialogasse com os textos de Carolina, será que ela se tornaria a precursora de um movimento? Talvez fosse preciso exercitar a empatia e perceber em que posição encontrava-se a escritora, antes de desqualificar essa individualidade privilegiada.
Leonardo, Pirituba
ps: no Brasil, o indivíduo não existe.
Bela homenagem ao grande poeta dos brasileiros. É pena que sejamos tão pobres de espírito e fiquemos a nos repetir, citando os mesmos grandes autores como se fossem os únicos que produzimos.
A propósito, posso estar enganado, mas me parece que Duque de Caxias não fazia parte do Estado da Guanabara, mas do Rio de Janeiro. A Guanabara era apenas o município do Rio, antigo Distrito Federal.
Infelizmente, os que menos lêem Solano Trindade são os trabalhadores e pobres, que preferem os pancadões e novelas como opções de entretenimento. Pode-se dizer que os pobres estão condenados pelas elites a ter um nível mínimo de cultura, mas a verdade é que custa muito ler um livro, ainda mais de poesia. As elites não lêem, então não acredito que seja uma questão de dinheiro e tempo ocioso, mas de esforço. A leitura é uma arte complexa, leva anos para um bom leitor se formar. Não adianta dizer que a Flip e a Bienal não comemoram Solano, porque a Flip e a Bienal são instituições que, há muito, deixaram de ter um papel significativo na qualidade da literatura brasileira, ainda mais porque nossa literatura já reformulou o conceito de qualidade: literatura para entretenimento. Solano é sagrado. É uma trindade literária: intenção magnânima, estilo breve e direto, temas populares: Solano é um Neruda, um Pessoa, das periferias. Certamente, mereceria ser o centro de um encontro ou de uma feira internacional, mas é o povo quem desconhece sua obra, não a elite. A elite conhece e faz pouco, mas não ignora: quem a ignora somos nós, os adoradores de pancadões, raps e quebradas, que vivemos idolatrando uma cultura de periferia criada para que nós a consumamos e nos orgulhemos dela. O capital soube pegar expressões culturais legítimas e reduzi-las a mera comércio cultural. As elites não querem Solano, tampouco a ralé. Resta que nós, leitores, leiamos a Trindade da literatura popular,e que suas delícias sejam fruídas pelos poucos que ainda insistem na delicadeza e na sensibilidade como forma de ver a vida. Nem todo mundo precisa ser pobre ou rico e adorar a comodidade da ignorância.