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Assim que Gerson foi eleito presidente, ele resolveu acabar com as eleições, mas manteve o referendo, para que o povo, seduzido pelo seu discurso fácil, pudesse sempre referendar a lei do governo federal. Para assegurar isso, Gerson dava um pouco de dinheiro para as famílias e subia no palanque dizendo que a miséria era culpa DELES, e que só ELES eram os verdadeiros ladrões. Quando Gerson conseguiu picar a rasteira na elite branca (pelo menos naquela que era inimiga sua), colocou todos seus amigos e companheiros no poder, repassando para eles a grana daqueles. Não havia mais elite, porque então todo mundo que morava nas mansões não era gente DAQUELA GENTE. Gerson aboliu todas as leis e desfez o sistema de segurança pública, o que fez muita gente abrir um sorriso de orelha a orelha. Ele era a lei agora. Só ele cantava de galo, porque havia reunido todos os galos que teciam a manhã. E quem não tecia a manhã não estava nem vivo para ver o sol nascer. Gerson mandou erguer uma estátua sua no Planalto Central e outra na Praia de Copabacana. Os artistas se inspiraram numa mistura de cangaceiro com caudilho russo para esculpir os monumentos, porque os ideólogos do governo achavam que cabra-macho e revolucionário eram as duas faces da mesma moeda. Como não havia mais legislação, tudo era decidido por júri popular na rua mesmo, e as punições mais severas, como linchamento e apedrejamento, eram reservadas para quem tinha cara de playboy. Quem tomava algo de alguém na rua e dizia que o roubo ocorrera em razão de desavença pessoal era prontamente absolvido pelo júri. A honra de um cabra-macho e seu amor pela voz do povo era o que fazia de alguém um homem bom. Quem vacilava e não era esperto merecia ser segregado, porque não era antes de tudo um forte. Desde que Gerson não teve vergonha de seu nome e retrucava quando levava desaforo sua fama ganhou brilho e destaque. Mas foi seu amigo playboy da televisão que ensinou o segredo do sucesso para Gerson. Ele ensinou que Gerson deveria criar um jeito de ser e rotular as pessoas que moravam perto dele com este mesmo jeito de ser; depois, se alguém criticasse essa postura, bastaria gritar que essa pessoa estava sendo preconceituosa. Quem ofendesse Gerson era logo chamado de preconceituoso, arrogante, fingido. Era isso o que o playboy fazia para vender o que ele quisesse na televisão. Foi um vacilo inconsciente do playboy de rolex que mudou a história deste país. Gerson descobriu que sua vida poderia ter um escudo, e até hoje Gerson agradece, em segredo, ao seu amigo playboy por este vacilo.
Por que o presidente não escolheu alguém da periferia para ser vice-presidente?Preconceito de classe? Ou ele não quis se queimar com a mão direita que balança o berço?
Os séculos de desigualdade social produzidos pela colonização são argumento para a justificação de uma identidade cultural periférica. No entanto, se a justificação decorre de razões históricas, impressiona ver os movimentos sociais de periferia defenderem a identidade com frases emblemáticas como: a periferia e um modo de ser, a periferia é um sentimento, a periferia é uma cultura, etc. Ao mesmo tempo em que se acusa a produção histórica de espaços geográficos onde a desigualdade econômica existe, faz-se a contraditória naturalização de uma identidade. Explico: ao mesmo tempo que dizemos ser a periferia um lugar produzido pela exploração de uma classe-cor por outra, dizemos que ser da periferia não é nada mais do que um fenômeno natural, já que ser da periferia é algo próprio de homens e mulheres de grande valor e dignidade, em oposição a uma elite cheia de vícios e mau caráter.
Por que não decidem logo se a periferia é um lugar produzido pela exploração ou um modo de ser próprio de pessoas valorosas e trabalhadoras?