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Um livro que discute, principalmente, a busca pela justiça social nas Filipinas. Primeiro país asiático a se insurgir contra o imperialismo, jamais se libertou das relações feudais de propriedade e de poder que o acorrentavam – e acorrentam até hoje
- (01/02/2002)
“Mas que tipo de homem estaria disposto a sofrer, em nome da verdade e da justiça, quando todo mundo sabe que só prosperam o mal e a avareza, que só suas mesas são fartas cheias e que moram em palácios?” Mais de cem anos de história social das Filipinas estão contidos nessa interrogação angustiada que encerra o segundo volume da saga da cidade de Rosales, da autoria de Francisco Sionil José, um dos grandes nomes da literatura contemporânea mundial de língua inglesa.
A voz, preocupada e indecisa, é de um homem que nasceu e cresceu em meio ao conforto de um latifúndio, ao lado de empregados e meeiros miseráveis, a voz de um homem cujo pai, administrador da propriedade, só chorou uma vez na vida. É a voz de uma consciência incipiente, mas paralisada diante da iniqüidade de uma ordem social imóvel que, como as raízes aéreas que envolvem a balete, a árvore mais comum em Rosales, asfixia, lentamente, a vida. É a voz de uma personagem lúcida, que viu “homens quebrados, sem sequer conseguirem sair desse chiqueiro que é a miséria”, que os viu sem nada fazer. Porque é o filho de seu pai. Porque “se tornou [um] escravo do conforto”, porque “adora os antros escuros, frios e úmidos [...] e as delícias da culinária” dos príncipes que, para chegarem a uma “posição elevada”, tiveram que “massacrar seus compatriotas”. E nada fez, como ele próprio diz, “porque sou eu, porque já morri há muito tempo”.
Não por acaso, percebe-se no livro um reflexo de Steinbeck, particularmente das Vinhas da Ira. Finalmente disponível em francês, graças à elegante tradução de Amina Saïd, A l’ombre du balete1 (À sombra da balete) explora um destino contrariado, uma identidade ferida e, principalmente, a busca pela justiça social nas Filipinas. Primeiro país colonizado da Ásia Oriental a se insurgir contra o imperialismo europeu e a fundar uma República, após a revolução de 1896, jamais se libertou das relações feudais de propriedade e de poder que o acorrentavam – e acorrentam até hoje. O domínio externo europeu e, depois, norte-americano e japonês, foi substituído, após a independência, pelo que o autor chama uma “colonização interna”, exercida pelas elites oligárquicas. Estas reproduziram as hierarquias sociais anteriores, monopolizaram a riqueza e o poder e, cinicamente, saquearam o Estado. O objetivo das lutas foi sempre a terra e a dignidade que ela propicia, essa terra quase sagrada, mas confiscada, que é o tema central deste livro.
Crítica social profunda, ainda mais eficiente porque a indignação é dominada, A l’ombre du balete faz-se acompanhar pela música de um belo texto, preciso e poético, que nos leva, numa “odisséia imprudente que toma caminhos apagados”, na viagem passada e presente de um povo que, até hoje, busca sua identidade. br<(Trad.: Jô Amado)
1 - A l’ombre du balete, de Francisco Sionil José, ed. Fayard, Paris, 240 páginas, 19,80 euros (41,75 reais).