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Do Golfo até o Oceano Índico, multiplicam-se as manifestações. Porém, continuam marcadas pela falta de perspectiva política.
- (01/05/2002)
“A Jerusalém iremos, milhões de mártires !” O grito do líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, algumas horas após o início da ofensiva israelense de 29 de março de 2002 contra as cidades da Cisjordânia, foi retomado pelos manifestantes através do mundo árabe. À noite, imóveis em frente à emissora de televisão Al Jazira, eles assistiram às terríveis imagens que os tocaram da maneira mais profunda. O cerco aos escritórios do presidente Arafat e a reocupação da Cisjordânia, no dia seguinte à reunião de cúpula árabe de Beirute – que ratificou a iniciativa do príncipe herdeiro saudita Abdallah – reacendeu esses sentimentos.
Aumenta a distância que separa os governantes dos cidadãos. Porém, estes não criaram uma linha que lhes permita agruparem-se em oposição. Grande parte dos manifestantes são apolíticos ou despolitizados. Duas grandes correntes se destacaram nessas mobilizações. A primeira, populista e radical, afirmou-se claramente contra a iniciativa do príncipe herdeiro saudita Abdallah, e até contra o próprio princípio de uma negociação com Israel ou de uma solução pacífica para o conflito. A outra corrente quer o fim da ocupação e do conflito, e apóia um acordo de paz.
A imensa popularidade que adquiriu o presidente da Autoridade Palestina nestas últimas semanas é ambígua: seria a de um chefe em luta pela independência de seu povo e pela paz entre dois povos? Ou corresponderia ao retrato desenhado pelo general Sharon, para quem ela seria o símbolo da guerra santa muçulmana e do terrorismo de Hassan Nassrallah, secretário-geral do Hezbollah, e de Osama bin Laden?
No Egito, as manifestações ganharam espaço bastante rapidamente. Expressam uma exigência popular tão simples quanto clara: romper as relações com Israel e expulsar o embaixador de Tel Aviv do Cairo. Ninguém se conformou com a decisão do governo de congelar os contatos e as relações não-diplomáticas com Israel, mantendo abertos “os canais diplomáticos que servem à causa palestina”. Do Cairo a Alexandria, das cidades do Alto Egito ao Delta, as manifestações de solidariedade para com os palestinos continuaram. Os apelos à jihad de uns coincidiram com a nostalgia nacionalista de outros, que têm saudades do tempo de Nasser, conforme gritaram em frente aos escritórios da Liga Árabe no Cairo. Além do mais, o anti-sionismo misturou-se ao antiamericanismo. Com bombas de efeito moral e cassetetes de choque elétrico, o poder egípcio tentou reagir, provocando a morte de um manifestante.
Também na Jordânia, um manifestante foi morto: Hamza Fuad Chebane. Refugiado palestino do campo Al-Bakaa, com apenas 11 anos de idade, morreu com o crânio esmagado pelas forças de repressão, durante uma manifestação de solidariedade. Com cerca de 150 mil habitantes, implantado ao norte de Amã, o campo foi sitiado pelos blindados do exército jordaniano e pelas tropas da polícia de choque. A Jordânia tentou, em vão, acalmar a ira de seus habitantes (em sua maioria, palestinos). Por um lado, a população não pode ignorar o sofrimento dos “primos” do outro lado do rio Jordão; e por outro, o governo receia deixar os habitantes se manifestarem livremente. Todavia, a situação evoluiu parcialmente. Embora não se trate, para o poder, de romper relações com Israel nem de mandar de volta o seu embaixador, David Dadoon, o governo procura canalizar a ira. Ministros encontram-se à frente dos cerca de 80 mil manifestantes, ao lado de personalidades da oposição islâmica e nacionalista que pedem a abertura das fronteiras para o jihad. A mídia dá destaque aos gestos de solidariedade, como os do rei Abdallah e da rainha Rania, doando sangue para os palestinos.
Em Damasco, na Síria, o poder se inquieta com a volta do retrato de Arafat, ainda que este seja agitado ao lado daqueles dos dois presidentes Assad, pai e filho, e do líder do Hezbollah, Nassrallah. As passeatas sucederam-se ininterruptamente em várias regiões, e a oposição – os Comitês de Revitalização da Sociedade Civil, por exemplo – aproveitou a ocasião para manifestar a sua presença política nas ruas. Todavia, essas passeatas são controladas pelo aparelho do poder e pelo partido Baas. Até servem para transmitir mensagens. Os manifestantes jogaram pedras, por exemplo, contra as duas embaixadas do Egito e da Jordânia, países cujas relações estão atualmente tensas com a Síria.
No Líbano, o movimento de massas começou antes da ofensiva do general Sharon. Em 29 de março, milhares de refugiados palestinos foram com seus compatriotas para a rua, no centro de Beirute. Brandindo bandeirolas, gritando slogans hostis a Israel e aos Estados Unidos, ocorreu uma série de manifestações e de passeatas. O retrato de Arafat reconquistou Beirute Ocidental, o que não foi fácil engolir para certos dirigentes e em certos meios. Os jovens de esquerda optaram por ocupar dia e noite a Praça dos Mártires, no centro da cidade, onde ficaram sentados. Esse ato foi em solidariedade “à intifada da independência nacional palestina”, e não se confundiu com o do Hezbollah, que ali veio instalar a sua barraca.
Esse movimento de apoio também se caracteriza por um antiamericanismo maciço. A esquerda estudantil lidera uma campanha pelo boicote de tudo que for norte-americano: organizam protestos em frente aos McDonalds, Burger Kings e StarBox. Também exigem a expulsão do embaixador dos Estados Unidos. Todavia, poucos deles estão dispostos a aceitar uma reabertura da frente meridional com Israel. “Isso é contrário ao interesse nacional palestino”, afirmam.
Nos países do Golfo, as passeatas se intensificaram, inclusive naqueles que, até agora, ignoravam quase completamente esse tipo de manifestação pública. O antiamericanismo também se expressou com força. Em Bahrein, 20 mil manifestantes bombardearam, com pedras e coquetéis Molotov, a embaixada de Manama. Exigiam a saída das tropas norte-americanas da ilha, uma das peças importantes dos Estados Unidos no Golfo e porto de abrigo da V Frota norte-americana. A violência, no decorrer dos acontecimentos, causou a morte de um dos manifestantes.
Embora menores, também ocorreram protestos em Omã, nos Emirados, no Catar e no Kuait. Os celulares desempenharam um papel importante para o sucesso das manifestações. Na Arábia Saudita, embora a polícia tenha impedido as pessoas de irem para a frente do consulado dos Estados Unidos em Dharan, foi realizada uma manifestação, pela primeira vez no reino.
No Iraque, na Líbia, no Iêmen e no Sudão, as manifestações parecem mais ser desfiles de apoio ao poder. Choques brutais aconteceram, mesmo assim, no Iêmen, por exemplo, onde um manifestante foi morto. No Iraque, os retratos de Arafat e de Saddam Hussein eram vistos lado a lado. Uma das ruas de Bagdá recebeu, por decisão da Câmara Municipal, o nome do dirigente palestino.
Na Líbia, o coronel Muamar Kadhafi marchou na frente do cortejo, declarando, diante de 100 mil manifestantes, que as fronteiras de seu país estão abertas. Desafiou os árabes a abrirem suas fronteiras aos voluntários líbios que apóiam Jerusalém e Abu Amar – nome de guerra de Arafat.
No Marrocos, manifestar solidariedade está enraizado na própria vida política. Gritando “Presidente do Comitê Al-Qods, adie o seu casamento”, os jovens protestaram contra a guerra israelense e a cumplicidade norte-americana. O número de manifestantes da grande marcha de solidariedade com o povo palestino é difícil de avaliar: 500 mil, segundo as autoridades, três milhões, segundo os organizadores. O primeiro-ministro Abderrahmane Youssoufi, que esteve presente por uns momentos, teve que fugir sob críticas e vaias. Muitas críticas foram feitas à “política pró-ocidental” do país. Mesmo assim, a multidão permaneceu heterogênea, com uma presença considerável do movimento islamista.
Do Golfo até o Oceano, ocorreram manifestações. Porém, continuam marcadas pela ausência de perspectiva política. Uma primeira corrente faz do atual conflito uma guerra entre o “Bem” e o “Mal”; uma segunda reúne todos os que apóiam simultaneamente a libertação nacional do povo palestino e a paz entre israelenses e árabes. Mas falta elaborar uma estratégia eficaz.
(Trad.: David Catasiner)