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Os direitos fundamentais ao trabalho, a moradia, a salário mínimo, são substituídos por quatro liberdades, também chamadas de "fundamentais": a liberdade de circulação de capitais, de mercadorias, de serviços e de pessoas
- (01/05/2005)
A parte II do Tratado Constitucional Europeu (TCE) é constituída pela Carta dos Direitos Fundamentais, proclamada por ocasião do Conselho Europeu de Nice, em dezembro de 2000. O conteúdo desse documento, a começar pelo título, constitui um dos principais argumentos dos partidários do "sim" no campo da esquerda. Resta saber se ali realmente se diz aquilo que alguns afirmam.
Por um lado, a Carta não endossa os direitos fundamentais presentes em outros instrumentos jurídicos franceses (em particular a Constituição) ou até europeus, como a Carta Social Européia, adotada pelo Conselho Europeu em 18 de outubro de 1961, e a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 9 de dezembro de 1989 – ambas citadas, no entanto, em seu preâmbulo. Sem falar na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948. Por outro lado, seu caráter obrigatório, quando existe, é delimitado de maneira rigorosamente restrita.
A Carta não reconhece: o direito ao trabalho, que é substituído pelo "direito de trabalhar" (II-75-1) e pela "liberdade de procurar um emprego" (II-75-2); o direito a uma moradia, substituído pelo "direito a um auxílio moradia" (II-94-3); o direito a um salário mínimo; o direito à igualdade salarial (salário igual para trabalho igual); o direito a uma pensão por aposentadoria; o direito ao divórcio, embora seja reconhecido (II- 69) "o direito de contrair casamento e constituir família"; o direito à contracepção e ao aborto etc. Em compensação, surge, com o novo documento, um direito até aqui ignorado pela legislação francesa e por outros sistemas jurídicos: o direito de greve para os patrões (II-88)!
Qual é o alcance real do que resta, em termos de direitos, neste documento? Vejamos a Declaração n° 12, anexada ao TCE e inteiramente dedicada à Carta. A exemplo das outras 47 Declarações, ela tem valor interpretativo e funciona como um "manual de instruções" para algumas de suas disposições. O artigo 36, que explica o artigo II-96 do TCE relativo ao acesso aos serviços de interesse econômico geral (SIEG), dissipa toda ambigüidade em relação à questão acima: "Este artigo [II-96] (…) não cria qualquer novo direito". Esta cláusula, imposta por Tony Blair, nunca foi evocada pelos partidários do "sim"...
O parágrafo 5 do artigo 112 do TCE indica, além disso, que as disposições da Carta que contenham princípios "podem ser aplicadas através de atos legislativos e executivos promulgados por instituições, órgãos e organismos da UE, bem como por atos dos Estados-membros, em aplicação dos direitos da União, no exercício de suas respectivas competências. Essas disposições só poderão ser invocadas perante um tribunal tendo em vista a interpretação desses atos e a fiscalização de sua legalidade". Em outras palavras, nenhuma violação dos direitos, ainda que restritos, contidos na Carta pode ser objeto de recurso perante o Tribunal de Justiça da União Européia!
Além disso, alguns desses direitos – qualificados, no entanto, de "fundamentais" pela Carta – "regidos por disposições constantes de outras partes da Constituição, são exercidos de acordo com as condições e limites nelas definidos" (II-112-2). Entre estas "condições e limites", são lembradas as quatro liberdades, também chamadas de "fundamentais": a liberdade de circulação de capitais, de mercadorias, de serviços e de pessoas. Num documento em que os seis títulos são, respectivamente, "Dignidade", "Liberdades", "Igualdade", "Solidariedade", "Cidadania" e "Justiça", o fato de a liberdade financeira e de livre-câmbio ser invocada no próprio preâmbulo se reveste de um forte significado.
(Trad.: Maria Marques-Lloret)