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Como as questões estratégicas de desenvolvimento e progresso social dos povos reduziram-se a apelos de responsabilidade social para as empresas
- (01/09/2005)
“O mundo dos negócios tem interesse em ajudar os países que querem chegar a um desenvolvimento sustentável. Reduzir a pobreza ajuda criar mercados estáveis e socialmente integrados, e também um poder de compra que permita o crescimento. Isto também ajuda a aumentar a produtividade e a diminuir as tensões sociais. E contribui para tornar as forças de trabalho saudáveis e dinâmicas”.1
É assim que Kofi Annan, secretário-geral da ONU, estimula uma maior colaboração da ONU com o mundo dos negócios. Embora não lhe tenha sido atribuída expressamente nenhuma competência neste sentido, Annan tem, desde o início de seu primeiro mandato, em 1997, trabalhado para que essa aproximação aconteça.
Em 9 de fevereiro de 1998, participa de um encontro com 25 principais membros da Câmara de Comércio Internacional (CCI), entre eles representantes da Coca-Cola, Goldman Sachs, McDonald’s, Rio Tinto Zinc, Unilever etc. Em setembro de 1998, o Geneva Business Dialogue organiza, sob o patrocínio da CCI, um “diálogo” entre o mundo dos negócios e as administrações públicas nacionais e internacionais. Annan, na ocasião, assinala a necessidade de reforçar os laços entre a ONU e a CCI.2
O presidente da CCI, Helmut Maucher, membro do Conselho de Administração da Nestlé e da Mesa Redonda dos Industriais Europeus (ERT), declara que o objetivo é “reunir as cabeças das empresas internacionais e os líderes das organizações internacionais, de maneira a canalizar a experiência dos empresários e a habilidade para o processo da tomada de decisão para a economia global”. Entre os participantes estão Yves-Thibault de Silguy (comissário das finanças da Comunidade Européia), Renato Ruggiero (diretor geral da OMC), funcionários de alto nível do Banco Mundial, Vladimir Petrovski (sub-secretário geral da ONU) e Rubens Ricupero (secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
Trata-se de definir referências comuns para permitir aos Países menos avançados (PMA) atrair investimentos. Seis Estados (Bangladesh, Etiópia, Madagascar, Mali, Moçambique e Uganda) são designados para colaborar com a British American Tobacco, British Petroleum, Cargill, Coca-Cola, Daimler Chrysler, Nestlé, Novartis, Rio Tinto, Shell, Siemens e Unilever. As empresas ajudariam a “identificar as experiências passadas e as melhores condições para criar um clima favorável aos investimentos exteriores diretos”.
Estamos longe das ambições iniciais da ONU, que eram “favorecer o progresso econômico e social de todos os povos”, segundo a introdução da Carta das Nações Unidas. Este objetivo deveria ser o fio condutor da política da organização, mas desde a sua criação ela concentrou-se nos problemas diplomáticos e os conflitos assistiram o desmonte dos meios e das instituições encarregadas do desenvolvimento e das questões econômicas.
Por exemplo, o Conselho econômico e social da ONU – cujas decisões não têm força determinante, mas refletem, sobretudo, as posições de consenso dos membros mais influentes da organização. A instalação da CNUCED em 1964, da Organização das Nações Unidas pelo desenvolvimento industrial (ONUDI) em 1966 e do Programa das Nações Unidas pelo desenvolvimento (PNUD) em 1970, embora signifiquem o princípio de uma reflexão sobre uma nova ordem econômica internacional, não conseguiu definir objetivos coletivos para alcançar o desenvolvimento.
E, no decorrer dos anos 80 e 90, uma visão liberal se impôs: o ponto central da tomada de decisões coletivas em matéria de economia, pouco a pouco, deslocou-se para um conjunto reduzido de organismos independentes da ONU 3 : Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e OMC. A hierarquia da Assembléia Geral é rompida. Sinal dos tempos, em 1993, a Cnuced acaba renunciando à tentativa de definir um código de conduta para as multinacionais.
Em janeiro de 1999, no Fórum Econômico Mundial de Davos, o secretário-geral da ONU propôs às empresas a idéia de um “pacto global”: trata-se de desenvolver a responsabilidade social das empresas para favorecer uma “economia global mais sustentável e inclusiva”. As empresas participantes devem se comprometer a respeitar dez princípios: proteger os direitos humanos, apoiar a liberdade de associação dos trabalhadores, abolir o trabalho forçado e infantil, eliminar a discriminação nos locais de trabalho, proteger o meio ambiente, combater a corrupção sob todas as formas etc. Em contrapartida, eles se beneficiariam da cooperação de agências especializadas da ONU: Alto Comissariado dos Direitos Humanos, PNUD, ONUDI, PNUE e também a OIT (Organização Mundial do Trabalho).
O pacto foi lançado oficialmente em Nova York, em 26 de julho de 2000. Ele não trata somente da proteção aos investimentos, mas também das discussões dentro da OMC, esclarecendo que a questão será em breve novamente discutida em nível internacional. No mês de março de 1999, um vazamento revela o projeto do Fundo Global para o desenvolvimento sustentável, a cargo do PNUD. O PNUD deverá garantir acesso das empresas participantes em 135 países. Entre os objetivos estão: a telefonia rural e eletrificação, pequenas financeiras... Por hora, o projeto está em estudo. Nesta lógica, apesar das suas ambições, as metas do milênio para o desenvolvimento (luta contra a pobreza, a fome e as discriminações) 4, adotados pelos chefes de Estado e pela ONU, em julho de 2000, já estão fora de alcance.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 - Mensagem para a reunião regional do Pacto Global, Jamshedpur, India, 8 de maio de 2005. www.un.org/apps/sg/sgstats.asp
2 - Ler Stéphane Hessel, Mireille Delmas-Marty e Amara Essy, “Ordem jurídica mundial e paz positiva”, Le Monde diplomatique, julho de 2003.
3 - Ler Isabelle Grunberg, “Um remédio que mata o paciente”, Le Monde Diplomatique, setembro de 2000.
4 - “A Declaração do Milênio” foi adotada pela Assembléia Geral da ONU no dia 23 de setembro de 2000, quando da Cúpula do Milênio; www.un.org/french/milleniumgoals/