janeiro 2007
TRANSNACIONAIS
A forte atração que a Ikea exerce sobre certos setores do jornalismo contrasta com uma empresa opaca: ninguém sabe quem a controla, seus funcionários são submetidos ao silêncio e procura-se construir uma imagem sobre-humana para seu fundador
, ,
A Ikea não é cotada na Bolsa. A empresa move-se num nevoeiro jurídico onde nada transparece. Impossível saber quem é o proprietário do conceito Ikea, obter em detalhe a contabilidade, um balanço consolidado, conhecer os patrimônios e investimentos da sociedade... A Stichting Ingka Foundation, na Holanda, detém nominalmente a sociedade anônima Ingka Holding, que agrupa todas as empresas da Ikea. Mas a Inter Ikea Systems, encabeçada pela Inter Ikea (Waterloo, Bélgica).detém o "conceito ikeano" Manejando a marca, garante sua perenidade. Controla a imagem, os nomes, as normas que fazem com que uma Ikea chinesa não seja diferente de uma Ikea norte-americana, ou kwaitiana.
Quem dirige a Inter Ikea Systems? Quem possui o conceito e os direitos de licenças? Formalmente, é impossível dizer. Stellan Björk, um jornalista sueco que investigou o sistema, indica: "Pelo que sabemos, a Inter Ikea Systems pertence a diversas fundações e sociedades offshore. Algumas delas têm sede no Caribe" [1]. Em outras palavras, não se sabe de nada… Mas a família Kamprad não deve estar longe.
Esta montagem opaca ilustra bem a "transparência" de geometria variável que a empresa utiliza. Durante sua campanha sobre a Ikea, a Oxfam – Magasins du Monde pediu para "traçar" origem e componentes de cinco produtos, que seriam escolhidos em conjunto com a direção internacional. Um ano mais tarde, apesar de inúmeros contatos, a resposta nunca apareceu. Em seu diálogo com a organização não-governamental belga, a IKEA nunca responde por escrito.
Como mencionado em "Os limites da responsabilidade empresarial", nesta edição, as auditorias "independentes" são realizadas por sociedades que não podem informar nada de suas constatações, nem comentá-las em público. E quando, em maio de 1998, um acordo foi assinado entre a multinacional e a a Federação Internacional dos Trabalhadores em Construção e Madeira [2], ele obrigava este sindicato, em caso de convulsões sociais, a prevenir a multinacional... Ela "estudará o caso e proporá medidas apropriadas" [3]. Nada sai. Sempre na lógica de manter sigilo, nenhum empregado na Bélgica pode responder às nossas perguntas. Eles não podem falar com a imprensa.
Por outro lado, se seus erros são revelados, a Ikea parte para a comunicação, com peso. Segundo um esquema, sempre idêntico: ela reconhece o erro, minimiza o caso, reage e traz "soluções". Desde os anos 1990, em resposta aos ataques das organizações ambientais em relação à madeira, a Ikea estabeleceu laços com a WWF e o Greenpeace. Quando é acusada de fazer crianças trabalharem, parcerias com o Unicef e a Save the Children são imaginadas. Sem preconceito sobre a pertinência destes projetos, podemos fazer duas constatações: a política da Ikea em matéria ambiental e social é exclusivamente reativa. Não se trata de compromissos "filantrópicos" (para quem ainda acreditasse nisso), mas de proteger os negócios. Estas colaborações não garantem nada. Nenhuma das ONGs "parceiras" controla a produção. Nenhuma delas faz visitas aos fornecedores.
Nesta lógica de comunicação, a maneira pela qual a Ikea geriu o "maior fiasco" do fundador Ingvar Kamprad é particularmente reveladora. Em 1994, um jornal sueco revelou nove anos de amizade (entre 1941 e 1950) entre o chefe da Ikea, então jovem, e um líder sueco de extrema direita. Contra a parede, Kamprad reconhece o erro e rejeita, em seguida, todas as idéias fascistas e racistas. Chora na televisão sueca. Sugere a todos seus colaboradores que "esta amizade foi a coisa mais idiota que havia acontecido em sua vida". Em sua biografia autorizada, ele culpa sem reservas seu pai anti-semita, antes de concluir: "eu sempre me perguntei quando um velho poderia enfim esperar ser absolvido de seus pecados de juventude. Era um crime ter sido criado por uma avó e um pai alemães?". Revisitando o erro de um adulto de 24 anos, falando sobre "erro de juventude", de "desorientações políticas de criança e de adolescente" e de "garoto" [4], desculpando-se em abundância, Ingvar Kamprad está em coerência com a comunicação da Ikea. Ocupando o terreno da crítica, a corporação monopoliza todas as versões do discurso sobre si mesma. Chega a reinterpretar os fatos…
De uma certa maneira, esta revelação sobre o passado de Kamprad teria reforçado, ao extremo, uma imagem que a Ikea deseja passar de seu fundador. A de um ser sensível, buscar a perfeição e estar próximo do "povo". E com histórias de fazer chorar. Dos primeiros fósforos vendidos pelo garoto de cinco anos às "sovinices" do velho milionário, que compara os preços dos cartões postais, a comunicação da Ikea e o próprio Ingvar criaram um personagem temível, que impõem a máxima economia ao menor operário da sociedade. Estas histórias encantam as mídias. Ingvar trata os funcionários com intimidade, Ingvar dirige um carro velho, Ingvar espera o fim da feira para comprar os legumes mais baratos, Ingvar viaja em classe econômica para estar próximo do povo...
Acontece que o povo nunca teve dois Porsches aos trinta anos, não possui uma vinha de 17 hectares, nem tem casa na Suíça com 435 metros quadrados. É de fato um ermitão este bilionário? Pouco importam estas incoerências entre o discurso e a prática: várias mídias amam o mito Ikea.
Exemplo entre outros: a entrevista que Kamprad concedeu em março de 2006 no programa "Me perdoe" (sob medida para a Ikea...) na televisão suíça-romanche. O jornalista não parece ter excesso de respeito, diante do velho milionário. A célebre "parcimônia" é tratada longamente, quase que estigmatizada ("O senhor viaja na classe econômica? Escreve dos dois lados do papel? O senhor tem há muito tempo aquele velho Volvo? O senhor pechincha as verduras no fim da feira?"). O jornalista fala abertamente do passado nazista. Em suma, uma entrevista educada, mas direta. Missão cumprida? Em mais de 18 minutos, nenhuma pergunta sobre as questões ambientais, as condições sociais e sindicais dos 90 mil empregados da Ikea e de centenas de milhares de operários das empresas terceirizadas.
Sob sua aparente inquisição, o jornalista suíço respondeu perfeitamente à expectativa da Ikea, precipitando-se nas portas deixadas entreabertas pela empresa. A agenda das questões é pilotada pelo gigante mobiliário. Sem forçar a mão, mas cobrindo todos os discursos autorizados da Ikea. Simples.
Tradução: Fábio de Castro
castro@reportersocial.com.br
[1] Olivier Burkeman, "L’empire d’ Almhult vous veut du bien", dossiê "Ieka: la secte mondiale du kit", Courrieur international, nº 722, Paris, 2-8 de setembro, 2004.
[2] International Federation of Building and Wood Workers (IFBWW), que se transformou depois na Internacional dos Trabalhadores em Construção e Madeira (Building and Wood Workers’ International-BWI)
[3] "Revised agreement between Ikea and the IFBWW", dezembro de 2001.
[4] Bertil Torekull, Un design, un destin. La saga Ikea, Michel Lafon, Paris, 2000.